Maria da Luz Fernandes Leal

Projeto Novo Centro de Processamento Final de Imunobiológicos (NCPFI)

Década de 1980: diluentes, vacinas e conhecimentos que geraram resultados

Bio-Manguinhos, do CEL ao CIBS

A produção de diluentes para as vacinas liofilizadas nunca foi uma tarefa fácil. Na década de 1980, esse árduo trabalho impunha muitos desafios e superação à dedicada equipe da antiga Central de Envasamento e Liofilização (CEL), localizada no primeiro andar do Pavilhão Rockefeller, e do Setor de Diluentes, no terceiro andar. As lavadoras de frascos e ampolas eram “semi-automáticas”, alimentadas e descarregadas manualmente, e o envasamento, em uma máquina automática, a “Wada”. A inspeção visual era a parte mais difícil: manual, frasco a frasco, ampola a ampola, fundo branco, fundo preto! Uma atividade que eu considerava bem desgastante. Da equipe dedicada, não posso deixar de lembrar Dona Irene, Dona Odete e Sr. Pedro, que faziam esse trabalho com muito amor e responsabilidade. A eles, muita gratidão e eterna admiração.

No início da década de 1990, com apoio da Presidência da Fiocruz, adquirimos nossa primeira máquina de inspeção automática, a “EISAI”, guerreira que operou até quase dois anos atrás, quando foi pré-alienada. Ela facilitou muito nosso trabalho, mas, por maior que tenha sido o caminho percorrido e por maior que seja a evolução – temos mais de sete revisoras automáticas de produtos líquidos e liofilizados –, nenhuma substitui integralmente as pessoas! É motivo de muito orgulho olhar para trás e ver toda a trajetória de Bio-Manguinhos, o que nos impõe ainda mais desafios de inovação, melhoria contínua, crescimento, capacitação e superação rumo ao Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde (CIBS), no campus de Santa Cruz (RJ).

Bio-Manguinhos e a erradicação da poliomielite

Em 1981, foi firmado um acordo de cooperação técnica entre os governos do Brasil e do Japão, para a transferência de tecnologia de produção das vacinas contra a poliomielite e o sarampo. Assim, vários profissionais de Bio-Manguinhos foram enviados ao Japão, para realizar treinamento, incluindo testes in vitro e in vivo, testes de neurovirulência da vacina em primatas não humanos, além das etapas de produção do antígeno viral, formulação e envase. E, no Japão, conheci Darcy – eu viajei do Rio, para aprender sobre pólio, e ela foi direto de São Paulo, para aprender sobre sarampo, junto com Lucília Loureiro e Ina Ferraz. Entre tantas histórias que vivemos nesse período, lembro quando Darcy pediu informações em inglês, em uma estação de trem de Osaka, e o japonês com quem interagiu perguntou se ela era analfabeta, pois achou que era uma japonesa. Furiosa, ela me disse que, a partir daquele momento, só eu deveria pedir informações. Sinto saudade dos 38 anos de parceria com Darcy, parecia que, a cada discussão para resolver os problemas das vacinas, ficávamos mais próximas, pois estávamos unidas por um mesmo propósito.

No âmbito da cooperação, fomos demandados a passar o conhecimento absorvido, por meio do Programa de Treinamento para Terceiros Países (TCTP) para Controle de Qualidade da vacina Sarampo, coordenado pela Darcy e realizado de 1988 a 1997. Entre os alunos de toda a América Latina, tivemos Nora Dellepiane, que foi coordenadora do Programa de Pré-Qualificação de vacinas da Organização Mundial da Saúde (OMS), e Carmen Rodrigues, atual coordenadora. Para cada turma, há um quadro com nomes dos países, na parede da sala de reuniões da Diretoria de Bio, e um deles nos lembra, diariamente, que “Solo la voluntad, la cooperacion y el conocimiento derribarán las fronteras”.

Nunca paramos de dar treinamentos. Com a inauguração e a operacionalização do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), repassamos a metodologia, os insumos e o controle das vacinas. Na mesma linha, capacitamos muitos técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a partir de sua criação, em 1999. E, até hoje, recebemos alunos de diferentes universidades.

Embora tenhamos absorvido a tecnologia da vacina da pólio, sua implementação era muito complexa e havia grande disponibilidade mundial do concentrado viral de alta qualidade e com baixo preço, o que nos fez considerar o projeto desfavorável. Mas, levando em conta a importante estratégia para o país com o estabelecimento de parte do ciclo de produção, Bio-Manguinhos iniciou o desenvolvimento da formulação da vacina a partir de concentrado de vírus importado; além disso, analisou e definiu a composição de um melhor termoestabilizador e aperfeiçoou uma formulação ideal da vacina para países de clima tropical, como o nosso. A estratégia mostrou-se correta, pois, em 1986, quando houve um surto de poliomielite provocado pelo poliovírus tipo 3, na região Nordeste, em população com altas taxas de cobertura vacinal, Bio-Manguinhos disponibilizou, em apenas vinte dias, lotes de vacina monovalente tipo 3 e vacina trivalente, tipos 1, 2 e 3 potencializada para o sorotipo 3, enquanto os produtores externos solicitaram um período de seis meses para modificar sua programação em atendimento à solicitação do Brasil. Nosso lema sempre foi superação! Essa vacinação possibilitou o controle do surto no Nordeste e a redefinição da formulação da vacina, que foi adotada pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), no final da década de 1980, para todos os países da América Latina, e, atualmente, pela OMS, para todos os países de clima tropical. Em resumo, a participação de Bio-Manguinhos/Fiocruz foi fundamental para o programa de erradicação do vírus selvagem da poliomielite nas Américas.