Bio-Manguinhos, a produção de vacinas bacterianas e a criação do Debac
Na segunda metade dos anos 1980, no âmbito do Programa Nacional de Autossuficiência em Imunobiológicos financiado pelo Governo Federal, que, em linhas gerais, visava à realização de investimentos na modernização dos laboratórios públicos nacionais que produziam imunobiológicos para o Programa Nacional de Imunizações, Bio-Manguinhos começou o projeto do Complexo Industrial de Vacinas, visando à produção de diversas vacinas bacterianas e à expansão da capacidade de envase e liofilização de vacinas, através da construção de novos prédios, um para a produção da vacina de difteria, tétano e pertussis (DTP) e outro para o processamento final, que, atualmente, são o Centro de Produção de Antígenos Bacterianos (CPAB) e o Centro de Processamento Final (CPFI), respectivamente. Buscava-se a autossuficiência nacional na produção da vacina de DTP, que o país passou a importar após o fechamento do único laboratório privado produtor no Brasil, devido a problemas de qualidade. A produção dessa vacina deveria ser feita por três produtores nacionais: Bio-Manguinhos, Butantan e Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar).
Naquela época, Bio-Manguinhos produzia, no Laboratório de Vacinas Bacterianas (Laba), que se situava no segundo andar do Pavilhão Rockefeller, as vacinas de meningite meningocócica sorogrupos A e C e outras, como a da febre tifoide e de salmonella. Essas últimas eram produzidas de forma mais artesanal, de pouca eficiência, e foram descontinuadas no início dos anos 1990. A vacina polissacarídica de meningite A e C (MEN A+C) ainda era produzida tal e qual foi transferida pelo Instituto Mérieux, em 1976, que doou a “Planta Piloto” com o “Fermentador Bola, hoje exposto na entrada do Departamento de Vacinas Bacterianas (Debac). A purificação dos polissacarídeos era realizada onde, atualmente, é o Laboratório de Macromoléculas (Lamam). O Laba era, então, composto pelos setores de Fermentação e de Purificação. O Setor de Purificação também realizava a formulação da vacina em garrafões de 50 litros e entregava para a Central de Envasamento e Liofilização (CEL), que ficava no primeiro andar do Pavilhão Rockefeller, para envase e liofilização da vacina.
Nesse contexto, no final da década de 1980, o Laba estava sendo reestruturado para absorver o Projeto DTP, e o gerente do Projeto do Complexo Industrial, Fernando Lopes, buscava um profissional para gerenciar o Setor de Fermentação. Nessa época, eu finalizava os experimentos de minha dissertação de mestrado na Escola de Química da UFRJ e, através do coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Processos Químicos e Bioquímicos, fui apresentado ao Fernando. Em julho de 1989, fui contratado para gerenciar o Setor de Fermentação do Laba, juntamente com uma equipe de nível médio e outra pessoa de nível superior, contratadas no mesmo dia para o Projeto da vacina de DTP.
Em meados dos anos 1990, a sala de supervisão do Laba acomodou dois arquitetos com suas pranchetas, que iriam coordenar o projeto de engenharia do prédio para produção de DTP. Ficaram nessa sala alguns meses, até que o espaço do anexo do Pavilhão Rockefeller fosse disponibilizado para toda a equipe da empresa projetista contratada. Logo a seguir, em maio de 1991, embarquei para o Japão, com uma bolsa de estudos da Japan International Cooperation Agency (JICA), para trabalhar com DTP no Instituto Biken, da Universidade de Osaka, onde permaneci por 11 meses. Em 1994, com a estreita colaboração entre os laboratórios públicos brasileiros, trabalhei continuamente por três meses nas áreas de produção da vacina DTP do Instituto Butantan, juntamente com dois outros profissionais do Tecpar.
A produção da vacina MEN A+C continuou a ser produzida rotineiramente, no Laba, até o primeiro trimestre de 1996, quando o laboratório entrou em obras de adequação e melhorias, para receber equipamentos mais modernos, como o fermentador de 100 litros totalmente automatizado, que, atualmente, é parte da estrutura Laboratório de Tecnologia Bacteriana (Lateb).
Os funcionários do Setor de Fermentação foram transferidos, temporariamente, para outros laboratórios e, no ano seguinte, o Setor de Purificação foi transferido para algumas salas do novo prédio de DTP (atual CPAB), que já estavam em condições de operação, pelo menos com disponibilidade de energia, ar-condicionado e águas. Nessa mesma época, novas pessoas, que hoje ocupam posições de destaque em Bio-Manguinhos, estavam sendo contratadas para a operação da nova planta de bacterianas e foram sendo inseridas em alguns laboratórios para treinamento em atividades de produção. Após a conclusão da obra no Pavilhão Rockefeller, a produção da vacina de MEN A+C prosseguiu, com a fermentação no novo fermentador, até o ano 2000, quando o Setor de Purificação, atual CPAB, foi desativado para obras de adequação do prédio, a fim de receber um novo processo produtivo.
No final da década de 1990, o Instituto Butantan já havia concluído a planta fabril e produzia vacina DTP suficiente para atendimento à demanda do país. Sendo assim, a estratégia nacional de Bio-Manguinhos foi buscar uma nova vacina necessária ao país, como a vacina Haemophilus influenzae tipo b (Hib). Dessa forma, em outubro de 1998, foi iniciado o Projeto da Transferência de Tecnologia de Hib, quando Bio-Manguinhos assinou contrato com a empresa belga SmithKleine para transferência da produção dessa vacina.
Logo no início de 1999, a gerência do Departamento de Produção de Antígenos Bacterianos (Depab), como passou a ser chamado o Laba até se transformar no Debac, foi transferida para a área onde são hoje as novas salas de formulação do CPFI – Penna Franca. Ali, ficavam alocados o gerente do projeto Hib e as pessoas do antigo Laba, que estavam distribuídas em outros laboratórios e começaram a ser reunidas, formando o embrião dos futuros gerentes de divisão do Debac naquela época.
O Projeto Hib teve os três primeiros lotes de vacina formulada em Bio-Manguinhos, ainda em julho de 1999, e o último treinamento para a produção do IFA da vacina ocorreu na Bélgica, em março de 2004. O projeto vinha sendo gerenciado por mim desde o ano anterior, em modificação realizada pelo Dr. Akira Homma. A inauguração do Centro de Produção de Antígenos Bacterianos Charles Mérieux (CPAB) ocorreu em agosto de 2005, com a presença do então presidente Lula e de Alain Mérieux, filho de Charles Mérieux, quando os primeiros lotes da vacina totalmente nacionalizada já estavam sendo produzidos. O último marco regulatório para fornecimento da vacina totalmente nacionalizada foi concluído em 2007, após os estudos de estabilidade e comparabilidade.