Tânia Pinheiro Pato

Departamento de Biofármacos (Debio)

IFA da vacina COVID-19, conquista do Brasil: eu colaborei!

Ingressei em Bio-Manguinhos, em 1996, através de concurso público para técnico em laboratório. Era um momento difícil da minha vida pessoal. Jovem, mas em tratamento para depressão e com problemas familiares que se acumulavam: uma mãe com transtorno bipolar, o recente diagnóstico de esquizofrenia de um irmão, um acidente de trânsito grave do meu pai, além do falecimento de uma irmã.

Trabalhar em Bio foi uma válvula de escape! Sempre tive o desejo de fazer algo que pudesse ter relevância social e vi essa possibilidade surgir. Considerava a Fiocruz uma das poucas instituições públicas conscientes da importância do seu papel na sociedade brasileira. Que orgulho seria trabalhar aqui! Além disso, atuaria na área que mais tinha despertado meu interesse na vida escolar: processos biotecnológicos.

Na época, eu e um grupo de técnicos aprovados no mesmo concurso fomos treinados por cerca de três meses, em vários setores de Bio-Manguinhos. Meu interesse era grande por todas as coisas: dos princípios do funcionamento de um liofilizador na CEL (antiga Central de Envase e Liofilização) até as etapas de purificação de polissacarídeos para produzir a vacina meningocócica no Laba (antigo Laboratório de Bacterianas). Eu era puro entusiasmo! Tudo isso colaborou de alguma forma no passo a passo da minha recuperação.

Fui selecionada para trabalhar no Laba, que estava temporariamente inoperante, e, por isso, atuei por cerca de oito meses no Comic (antiga sigla do Laboratório de Controle Microbiológico). Mesmo sendo um período de muito aprendizado, confesso que tinha mais interesse no Laba e em seus processos. Então, conversei com a chefia da área, pois queria estudar o que precisava para atuar da melhor forma possível, e ouvi: “Temos carência em pessoas para área de purificação… Se você gostar do tema e quiser estudar sobre isso, vá em frente”. E fui…

Antonio Barbosa era o chefe do Laba e Ruy Porto, o chefe da Seção de Purificação, onde trabalhei após o retorno da produção da vacina meningocócica. Foi um momento de difícil adaptação e Antonio achou melhor que eu tivesse um período de crescimento profissional no Laboratório de Tecnologia Bacteriana, onde atuei por pouco mais de um ano. Essa foi uma época de grande aprendizagem, em que conheci pessoas que foram meus referenciais por muito tempo (Elaine Telles, Ivna Alana, Ellen Jessouroun). Apaixonei-me ainda mais pelo mundo da purificação e da cromatografia líquida. Até que chegou o período de retornar ao Laba.

Dessa vez, para estreitar com a Ana Maria, técnica do laboratório, aprovada no mesmo concurso que eu, uma parceria para toda a vida. Estimulávamos-nos em todas as coisas… E, claro, como pessoas que se gostam e se permitem conhecer de verdade, havia momentos de brigas e reconciliações. A sintonia era tanta que nos tornamos quase gêmeas aos olhos de muitos. Frequentemente, algumas pessoas me identificavam com Ana Maria e vice-versa. E caminhamos juntas até hoje!

No Laba, trabalhando com Wilson Bucker e recém-formada no ensino superior, surgiu o interesse de fazer o mestrado em bioquímica, para aprender mais sobre purificação. De início, foi tudo um pouco complicado… Ainda não havia mestrado profissional em Bio-Manguinhos e eu era uma técnica querendo liberação parcial para fazer pós-graduação! Ao final, chegou-se ao consenso que a melhor decisão era eu ser liberada para tal. Que bom!

Nesse período, teve início o Projeto Hib, uma transferência de tecnologia com a GSK para a produção da vacina conjugada Haemophilus influenzae tipo b, gerenciado por Fernando Lopes. Não acompanhei o momento de perto, mas de longe tentava absorver e aprender com tudo e todos.

E, junto com o Laba, que cresceu e se desenvolveu, à medida que mudava de nome (passou a se chamar CPAB e, por fim, Departamento de Vacinas Bacterianas/Debac), fui crescendo e me desenvolvendo, mesmo que não consciente do que ocorria em mim.

Para a implementação do processo da vacina Hib, houve uma modificação da estrutura organizacional da área e, como eu havia concluído o mestrado, passei a ser responsável pela Divisão de Purificação Polissacarídeos (Dipur). O projeto Hib proporcionou uma possibilidade de crescimento para Bio-Manguinhos em todas as áreas (Produção, Garantia da Qualidade, Controle de Qualidade etc.). E experiências únicas me foram dadas… Eu não percebia meu amadurecimento, mas sou grata por ter tido pessoas ao meu lado com a sensibilidade de perceber isso e me confiar grandes responsabilidades. É inevitável não citar Antonio Barbosa e Elaine Teles.

Após a completa nacionalização da vacina Hib, outro momento marcante foi a possibilidade de participar da parceria entre Bio-Manguinhos e o Instituto Finlay, de Cuba, em 2006, para fornecimento da vacina meningocócica ao cinturão africano, onde se esperava uma grande epidemia da doença. Em 2006, também tive o prazer de receber o prêmio de profissional do ano e ser aprovada em novo concurso para Fiocruz, dessa vez para nível superior.

Em seguida, veio um período de estabilidade no Debac, em que iniciei meu doutorado, estimulada por Antonio Barbosa. O tema da tese deveria estar alinhado com um dos projetos da unidade e me foi sugerida a purificação do vírus da febre amarela, produzido em células Vero, visando à produção de vacina inativada, um projeto gerenciado por Luciane Gaspar. Inicialmente, apresentei resistência, afinal, sairia do mundo de vacinas bacterianas para o mundo das vacinas virais e cultivo de células. Mas fui adiante.

Na mesma época, também colaborava com o Projeto EPO. E tive meu primeiro e único filho, minha grande herança, firmando ainda mais a grande parceria com meu companheiro de vida.

Apesar do meu apreço, sempre evidenciado a todos, pelo mundo das vacinas bacterianas, recebi convite de Luiz Lima para chefiar o departamento que seria criado na Vice-diretoria de Produção, responsável pela produção do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) de alfaepoetina. Foi uma decisão difícil, pois os questionamentos eram os mesmos: Será que estou preparada para isso? Será que desejo o aumento de responsabilidade e comprometimento? Mas aceitei o desafio, que se tornou ainda maior diante do grande desafio que viria alguns meses após a criação do departamento, em função da pandemia: implementar a produção do IFA da vacina COVID-19.

Em apenas um ano, o departamento cresceu enormemente. Implementamos em tempo recorde um processo complexo, através de um acordo de transferência de tecnologia com características diferentes do habitual. Para tanto, foram feitas parcerias surpreendentes e pudemos constatar a competência de nossas equipes, quando trabalham com recursos apropriados e prioridades definidas.

Esse período atual em Bio-Manguinhos tem me proporcionado novas descobertas e um novo olhar para mim, para os outros e para a própria unidade. Sou imensamente grata pela equipe de profissionais competentes e comprometidos que conseguimos reunir no Debio. Acredito que podemos ir adiante e além!